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Editorial 002

"Sorria, você está sendo filmado" - Invasão de privacidade
Texto de: Keila Terezinha do Nascimento

  Segundo dados da Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança), mais de 1 milhão de câmeras de segurança foram instaladas, só no Estado de São Paulo. Este número, pela mesma fonte, tende a crescer. Como investimento não há dúvidas de que, nestes tempos de incertezas econômicas, vislumbra uma boa rentabilidade e, como potencial de mercado consumidor tende a se propagar em razão da insegurança visível. Mas, tal informação, sob o ponto de vista jurídico, alerta a um questionamento pouco abordado. O que dizer da intimidade e a vida privada frente a essa exposição?

   A vida privada, segundo ensinamentos do ilustre Doutor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc”. A proteção constitucional advinda deste preceito refere-se à imagem frente aos meios de comunicação, tais como televisão, radio, jornal, revistas, entre outros.

   Já, a intimidade nada mais é do que o estreito, profundo, a qualidade de aproximação familiar, o íntimo da pessoa, de suas amizades. Esta intimidade revela a identificação pela afinidade que existe entre pessoas. Alude afeto, confiança.

   Desta forma, a proteção constitucional à vida privada, disposta no artigo 5º da Constituição inciso X, (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”), compõe o direito à intimidade e à imagem. Assim, tal amparo traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em uma segurança, como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana. Presume-se que é um dever ao exigir dos indivíduos respeito à dignidade de seus semelhantes.

   Tal proteção é tamanha que o mesmo inciso ao tratar desses assuntos de natureza tão íntima assegura a indenização por danos materiais ou morais, bem como do direito de resposta, que fora objeto de diversão ou entretenimento.

   Um exemplo recente desta proteção é a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo que se deparou com violação da intimidade nos e-mails. De pronto, a ementa (esclarece-se: resumo dos princípios expostos na sentença ou acórdão) discorre que:

JUSTA CAUSA. "E-mail caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único e-mail, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.”

   Trata-se de decisão proferida em Ação Trabalhista, que pretendia a demissão por justa causa de empregado que utilizara e-mail da empresa, pelos meios de produção oferecidos, em horário de trabalho.

  Deste acórdão inferem-se duas análises. A primeira diz respeito à violação da intimidade do empregado que passou o e-mail e, a segunda diz respeito à proporcionalidade da punição, isto é, a intenção da demissão por justa causa por envio de apenas um e-mail.

   Cabe aqui, frente ao desenvolver deste artigo, um destaque apenas quanto à primeira análise. Deixa-se a segunda para outro momento.

   Afinal de contas, quem está juridicamente protegido? O funcionário, com seu direito à intimidade, podendo enviar e-mails pessoais de seu local de trabalho, ou o empregador, que fiscaliza, vigia e até pune funcionários pelo uso inadequado ou mau uso do equipamento profissional?

   Neste sentido, o desembargador relator Fernando Antônio Sampaio da Silva afirmou que “e-mail caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade“. Tal decisão vem em conformidade com o direito constitucional à intimidade, mas possibilitou ao mundo jurídico um precedente dúbio, o famoso chavão: “como uma faca de dois gumes.”

   Se por um lado tal decisão assegura o direito constitucional à intimidade não permitindo qualquer perda, privação, por outro, abriu precedente para que as empresas a partir de agora adotem restrições que oscilem desde a proibição total, passando pelo bloqueio de envio e recebimento de mensagens com anexos, até a restrição do acesso à Internet, sabendo da prerrogativa do empregador que fiscaliza o uso do maquinário colocado à disposição do funcionário objetivando o uso profissional. Esta prerrogativa do empregador origina-se da autorização para manutenção, reparo, melhor dizendo, cuidados em geral que o equipamento exija e que o torna, assim, de propriedade da empresa e não do funcionário, bem como do dever de vigilância oriundo da relação de trabalho. Desta maneira, não se considera invasão à conta de e-mail do funcionário, pois não há como invadir algo que lhe pertence.

   Esta decisão não soluciona a questão e traz uma ponderação discutível com relação à intimidade violada. É sabido que quanto às regulamentações ao mundo cibernético o direito ainda se encontra diverso no tempo e no espaço. Mas. percebe-se que tal decisão foi fundamentada na Constituição, e em razão dela primou à proteção aos Direitos Humanos Fundamentais.

   Os tempos caminham a um total controle externo da vida privada, seja das câmeras de segurança que cercam o dia a dia, ou, seja nos e-mails, como neste caso que deu oportunidade à demissão por justa causa. Isso tudo envolve conceitos constitucionais da intimidade e da vida privada que devem ser resguardados e protegidos.

  O alerta que aparece quando se adentra em ambientes filmados, “Sorria que você está sendo filmado”, serve para evitar ações de dano material ou moral. Objetiva-se cientificar o indivíduo de que seus atos serão registrados em um filme não permitindo que ele alegue violação da intimidade ou privacidade. É uma maneira vigilância que permite ao vigiado, ao saber de sua situação, que se comporte pertinente e civilizadamente.

   

 

   

 

    

 

   E se essa imagem for utilizada com finalidade diversa do caráter jornalístico ou interesse público, ou seja, que acarrete injustificado dano á dignidade humana, englobando também violação quanto à intimidade e a vida privada, autoriza a ocorrência das indenizações matérias e morais, já ditas, bem como também, as infrações penais de calúnia, injúria e difamação.

   O direito presa por remediar juridicamente as lesões humanas, mas há de se concordar que em alguns pontos, como nos quais envolve a Internet, ainda urge uma solução plausível. 

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Fonte:

DIREITO - Ano II  nº 17  -  Novembro de 2002

Publicado na Revista Autor

  A partir de 15 Maio de 2018

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